Era domingo, já de noite, cheguei cansado de um ótimo dia. Havia me movimentado como não fazia há tempos. Senti novamente o prazer que o movimento ágil e forte do meu corpo pode me proporcionar. Foi um domingo que me deu uma alegria e uma nova energia só por esse fato. Já me deu vontade de correr como aquela tarde de novo, de saltar e sentir um vento rápido passando pelo meu rosto. Mas como o tempo tudo seca, secou meus músculos... ai, como doíam, como pareciam que não mais agüentariam, mas fui além disso, sabendo que na manhã seguinte a fadiga me pegaria de jeito me dando aquele andar quadrado de quem passou o dia em cima de um cavalo sem ter o costume de galopar. Ah, como foi bom o dia. Tudo isso me deu fome, comi bem, comi de tudo. De café, uns petiscos, um pão de mel com suco. Na hora de comer mesmo, pão com lingüiça e maionese, uma picanha no shoyo, um refrigerante e aquela cerveja gelada, Eisenbahn, boa de tomar, encorpada. E pra fechar uma refeição doce – embora eu tenha preferência pelo gosto do sal -, um brigadeiro de colher e pudim de leite bem gelado. Tudo comum, coisa de churrasco, caseiro, mas a fome e o cansaço deixavam tudo melhor. Descansei sussegadamente numa rede, na sombra de um frondoso flamboyant, com uma brisa leve acariciando a pequena colina em que estava, indo de encontro ao lago que se estendia calmo à minha frente. Como trilha sonora para minha sesta coloquei um Jack Johnson, seleção minha mesmo. Quando percebi a maravilha do momento, espichei um sorriso de uma orelha à outra e uma risadinha contida que quem visse saberia que naquela hora, não me faltava mais nada. Fazia tempo também que não dava um sorriso desses. O último foi, também à sombra, deitado no colo de uma amiga, em frente ao colégio, conversando, enquanto a aula se estendia tediosamente porta à dentro, deixando todos sonolentos com a voz grave e contínua do professor de história geral. Voltei pra casa escutando Nat King Cole ao volante, com as janelas do carro bem abertas para o vento poder pentear meus cabelos da forma que melhor entendesse. O verde dos pastos e, mais tarde, o amarelo de muitos girassóis refletiram nas lentes dos meus óculos até chegar na periferia da cidade. Como disse, já era noite quando voltei pra casa. Não podia faltar um banho demorado numa água morna, quase fria, refrescando todo o corpo, relaxando os músculos. Fui pro sofá, passariam bons filmes na TV à cabo, juntei meu “Kit Filme”, e, munido de travesseiro, cobertor, um pote de Pringles e um copo de meio litro de Coca-cola gelada, me deitei passeando pelos 70 canais, parando apenas em uns 10 que exibiam alguma coisa decente e que não fossem em inglês ou japonês – para que alguém quer canal em japonês no Brasil? – esperando o início do filme. Passou um de ação, muito bom, estimulante. No intervalo sai dando socos no ar rumo ao banheiro. Quando escutei o título do próximo filme, não pensei duas vezes, me servi de mais refrigerante, dessa vez com limão e gelo, dei uma esticada nas canelas, um agrado nos cachorros e voltei ao sofá. Foi aí que aconteceu. Não entendi porque, mas o filme me passou uma angustia, me deixou nervoso, apreensivo. Fui até meu quarto atrás de casa sem nem perceber o boa noite dos familiares e os olhos alegres de meu labrador, incrustado em meus pensamentos, remoendo situações, semelhantes às do filme. Ai quem “ruim” que me deu. Talvez por ser característica de geminianos, mas meu humor foi lá pra baixo, me bateu uma depressão. Que horas longas e sofridas passei no final desse dia tão bom, e, se alguém souber, me diga porquê! Como pode um filme alterar tanto nosso interior? É por isso que amo cinema, ele tem uma influencia tão forte na psique... mas esse não foi bom, acabou comigo.
