domingo, 7 de novembro de 2010

Uma noite, de manhã

“Adorei a noite, beijos”. Foram as poucas palavras que li em um pedaço de papel ao meu lado, assim que a luz do sol cortou um espaço pela persiana esquentando meu rosto. O cheiro dela ainda estava na cama, as marcas do corpo esguio ainda marcavam o lençol e o travesseiro colocado de lado, como ela gostava. Mas ela não estava ali. A lembrança da noite anterior parece mais como um vidro embaçado. Como lentes de um óculos mal lavado. Até recordo da sétima dose, quando já não sabia mais onde estava, mas tinha certeza que ela já era minha. Eu não deveria ter dirigido naquele estado, mas parece que foi o que fiz. E ela não deve ter se importado. A noite foi longa, se estendendo por toda a madrugada. Cada cômodo, dos poucos, desse apartamento viram um pouco de ação. E em cada um ainda pode-se achar uma peça da roupa que eu usava ontem, mas as dela não estavam mais por lá. Não posso reclamar, pois não esperava muito mais que uma noite. Um caso só. Não tive nem tempo de pegar o número do telefone, em meio aos beijos trôpegos, em meio aos abraços afoitos. Concordo com proveitosa noite. Mas a mesa do café está posta à dois, e eu só preciso de uma xícara. Mais uma vez vou comer pão sozinho ao meio dia. Mas o importante foi se entregar ao momento. Foi levantá-la na parede com amor, e trazê-la abaixo com fervor. Todos devem fazer isso. Partilhar um momento com alguém pouco conhecido, de maneira que não exista um passado, e nem mesmo vai haver um futuro. A mais pura definição de viver o presente. Não interessa o que um dia você fez, nem ela, e não interessa nem mesmo se prefere café puro ou com leite, porque nem mesmo isso vai fazer parte da relação. São dois corpos que se usam, embebedando entre si a medicação. A troca de calor aquece, e te relaxa a falta de preocupação. Cada um sabe o que faz, e se não sabe, vai descobrir em breve. O melhor de tudo é o anonimato que a embriaguez permite utilizar. Não lembro dela, e ela não vai lembrar de mim. Um batom avermelhado marca meu colarinho, e são vários os fios castanhos pelo chão. É tudo que sobrou dela. Foi mesmo uma ótima noite, mas foi só uma. Uma brisa leve, tão leve quanto pluma. Algumas cenas ainda estão na minha cabeça, e lembro as disposições. Mas isso prova que a carne se cura, mas ficam os vazios nos corações.