terça-feira, 26 de outubro de 2010

Cinco Fases da Morte

Hoje recebi uma notícia. Agora sei o que poucos sabem. E isso me faz mal. Eu só queria saber qual era o problema e ele me responde com uma dessa. Quem ele pensa que é? Como acha que pode chegar falando assim comigo? Com todo aquele ar superior. Aquela aura branca, numa sala branca, cheia de cheiro e cheia de luz. Não acredito no que ele diz. Não quero acreditar. E cada um acredita no que quer, quando quer, e como quiser. Deixem-me aqui na minha cama, sozinho. Afinal, isso não vai acontecer. Isso não pode acontecer! Óbvio que ele está errado, e tudo não passa de uma brincadeira de mau gosto. Meu aniversario está chegando, e eu já estou entendendo o que vai acontecer. Vou sair do meu quarto e todos os meus amigos e parentes estarão na sala com um bolo com 45 velas esperando para serem apagadas. Isso é muita palhaçada. Com certeza minha mulher está nessa trama, e minhas duas filhas também. As três compraram aquele cara para me fazer uma piada. Ninguém vai me tirar isso assim, e isso não vai acontecer! Quem ele pensa que é?

Um minuto simples, e a vida pode mudar. Um só minuto e agora eu sei a que valor ele pode chegar. Agora eu sei o valor de cada segundo, porque entendo que cada um que passa é um a menos no mundo. Há quem quer dinheiro e há quem quer amor. Mas nada mais me serve, pois nada pode me tirar essa dor. Agora só quero tempo. E vou procurar por ele, e buscar cada ponteiro em maior intensidade do que eles próprios giram à frente. Quando alguém está sem fazer nada, está matando tempo. Jogando tudo fora. Jogando vida fora. Eu quero fazer alguma coisa, qualquer coisa, agora! Vou preencher a minha agenda, e fazer dela um banco onde terei depositado meu tempo ganho. Vou fazer tudo valer. Quero quebrar a tradição, e amar sem perdão. Quero quebrar a boa moral, e ter duas mulheres de uma vez só. Ignorar a elegância, e andar de chinelo e gravata.

Quem ele pensa que é? Eu deveria era voltar lá e encher a cara dele de socos. Quando ele cair, tonto, no chão, vou chutar a cabeça dele como uma bola de futebol, até fazer um gol de gaveta. Na dúvida, vou quebrar toda aquela sala, rasgar os panfletos, queimar os formulários, dobrar as cadeiras no meio. Eu estou babando, espumando, e coitado de quem entrar no meu caminho. Já que é assim, não tenho nada mais a perder, ninguém pode me fazer mais mal do que eu mesmo me faço agora. Olhou torto para mim, e é um bofetão. Reclamou leva mais um. E se chorar?! Ah sim... vai engolir esse choro, ou vou dar motivo para chorar. Nunca fui feliz com meu carro. Vou botar fogo nele e jogar de uma ponte. Não preciso mais dele mesmo, e ele vai ver quem manda, vai ver quem precisa de quem. Afinal, se eu não coloco combustível, ele nem anda! Inútil! Quem ele pensa que é?

O trabalho eu continuo, pois me agrada. Mas aquele curso de treinamento, as aulas de ioga, as dietas diet, o horário eleitoral, nada disso quero mais na minha vida. Vou gritar de bungee jumping e voar de asa-delta. Vou deitar nú no gelo, e correr de casaco no deserto. Vou carregar apenas o que couber numa mochila, dar um beijo na atendente da padaria, dizer o quanto são lindos aqueles olhos verdes, e viajar para perto do mar. Eu nunca surfei, mas vou surfar. Nunca bebi, e vou mesmo é me drogar. Quero festa e quero missa, à hora que me aprouver. Dormir quando vier o sono, e comer quando der.

Quem ele pensa que é? Tentando me limitar assim? Será que não tem um jeitinho? Por aqui sempre tem. Posso trocar um favor por uma semana. Faço uma boa ação e ganho um dia. Deve existir um acordo com o cara lá de cima. Que tal uma doação? Entrego o que tenho à igreja, e fico por aqui por mais um mês. Afinal, pagando bem, problema não tem. Vou pedir a ele que mude o resultado. Que se faça me enganar. Se der pra ganhar um tempo, só para poder enrolar. Numa dessa ainda saio com um ano a mais. Se nada der certo, fecho o trato pelo tempo máximo. Se ainda não der certo, fico com uns dias a mais. Não tem nada que eu possa tomar, e fazer o tempo parar? Talvez não dormindo eu viva mais. Que tal umas horas de sono por um dia no parque? Quem ele pensa que é?

Vou sair correndo e pulando, vou fazer o que estiver afim. Vou arranjar briga em bar, e depois fazer pazes. Vou arranjar briga em cada esquina! E depois fazer as pazes. Vou aceitar as desculpas. Ignorar a ignorância. Abraçar o padre e o pastor. Vou pedir desculpas... mas se não as tiver, farei tudo de novo! Vou andar à cavalo até doer, e dormir na relva enquanto chove. Tomar café de pijama, e jogar o pijama fora. Vou amar meu próprio corpo, fazer dele algo público. Vou nadar à noite, e badalar no almoço. Quero queimar uma pilha de dinheiro. Cozinhar pra rua inteira uma refeição. Vou comprar comida no cartão de crédito até o fim do meu limite, e entregar à quem precisa. Vou passar um dia inteiro na rede. Um dia inteiro de pé. Vou viajar e ver o mundo. Fazer o mundo me ver. Vou aparecer na tela da sua casa. Mais um louco na TV.

Quem ele pensa que é? De me jogar uma verdade assim? Eu nunca pude fazer nada que desejei. E realmente não dá para ser feliz com essa ânsia. Com essa cara de maracujá. Olhe meus braços finos. As olheiras que arrasto. Perceba a falta de cor, e o sorriso que não vem. Por mais que eu queira, não posso concorrer. Tenham pena de mim! Se não posso ter mais nada, que tenham pena de mim. Tanto nessa vida eu já perdi, mas nunca algo assim. Se algum dia senti um vazio, nada pode ser mais vazio que isto aqui. Não tenho mais nada, e não tenho nem o direito de angariar. A verdade é que chegou o fim, e nada vai me ajudar. Se vim a esse mundo sozinho, não sei como tive coragem de achar que o deixaria de outra maneira. Esqueça o que eu falei. Não quero fazer mais nada. Não vale a pena ganhar pontos depois que o jogo terminou. Vou só deitar na minha cama. Secar cada lágrima que dos meus olhos brotar. Curtir a apatia. Curtir a solidão. Não adianta. Simplesmente, não. Quem ele pensa que é?

Queria correr até cansar, e voltar de carona com alguém. Eu queria alguém! Queria alguém pra jogar fora. Mais então ele vem e acha que pode ME jogar fora? Não importa o que farei. Eu sei que não vou esquecer. Não vou esquecer a notícia. Nem da mancha na barra daquele jaleco. Do reflexo nos óculos. A falta de expressão. O diploma na parede. A caneta aberta na mão. Para ele mais uma notícia, e pra mim o meu final. O final do que conheço, como conheço. Senti-me um animal. E sei que não tem preço. Mas pagaria tudo, daria tudo, para ter o que mereço. Eu não merecia saber. Quem ele pensa que é? E me diz que é seu trabalho? Seu trabalho é me curar! E não me dar mais prazo! Um mês! Um mês de vida! Foi só isso que ele pode me dizer. Se é assim, então aceito. Vou apenas viver, despejar mais um amor, esquecer todo rancor, lembrar de minha família e de todo aquele amor. Quando a hora chegar, estarei aqui, sem sair do lugar.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Um presente, num momento


Aquela foi a segunda vez que a escutei dizer. Mas a primeira que realmente acreditei que era o que ela queria fazer. Se em um momento ela chorou, e todo meu coração se partiu quando ela lamentou, agora quem junta os pedaços sou eu. Antes não senti a dor, mas agora o sofrimento é todo meu. Pelo orgulho dela, sufoquei meus pontos, mas ela não foi assim tão complacente. Parece que não se importa, ou que nem mesmo sente. Eu dei à ela, e fiz dela, o meu mundo, e enquanto para mim isso não passa, parece que esquecer, à ela, levou só um segundo. Apreciava sua essência, e seus hábitos naturais. Lembro que disse à ela uma vez, e ela jurou que me amava mais. E ainda não sei qual foi meu engano, onde escorreguei e levei tanto dano, pois ela guardou todas as suas razões, bem escondidas, sob um pano. Sei que agora me desconserta, mas quero, sua presença. Pois prefiro isso à toda essa indiferença. E ainda me sinto estúpido em me encontrar pensando nela, imaginando se pensa em mim, enquanto pode parecer certo, que sou o único que se encontra assim. Cada momento sozinho uma lembrança, cada momento presente um grito silente por perdão, sempre lembro da ultima dança, quando não fazia idéia da eminente separação. Por fim, faço algo lindo, buscando empatia, mas volto sozinho, virando a esquina, relembrando que não foi nada, nada, como achei que seria. Pois desejei um sincero sorriso e um abraço, um sinal de redenção. Mas ainda lembro da falta de piedade desfazendo o laço e da cor cinza daquele botão. Enquanto meu caminho sigo, mais idiota ainda me sinto, dizendo que não ligo, sabendo o quanto à mim mesmo realmente minto. Mas deixando claro, e olhando fundo, não quero volta. Não quero amor advindo de revolta. Quero somente saber, que embora tenha apagado as luzes, ela ainda não fechou a porta.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

domingo, 10 de outubro de 2010

Esse ultimo conto foi para dar uma variada. Me pediram algo mais leve, e mais cômico.
Vamos ver no que dá!
=D

Uma noite diferente...

Um casal cinqüentão. Ele mais velho, ela mais santa. Não bastava apenas uma janta. Queriam mais, algo diferente para a comemoração, afinal só uma festa e um prato de pérola na estante não eram suficientes. Já fazia 30 anos que estavam juntos, e o tempo não perdoou em amargar, de ambos, os traços. Sabiam que ainda estavam em tempo de aproveitar o que tinham de vigor físico para algo mais, e decidiram: depois da festa em família, vamos à um Motel!!

A mulher, mais que o homem, sempre foi muito reservada, então não podiam deixar uma notícia dessa virar manchete de fofoca na boca da maldita vizinha velha e enrugada do condomínio. Ela decidiu que a desculpa seria passar o final de semana em um hotel beira mar, enquanto o real destino era mesmo um motelzão chique e cheio de apetrechos na periferia da cidade. A realidade da vida do casal levou à esse destino... afinal, para ela, ele tinha sido o único, e ela também para ele – nos últimos 30 anos, pelo menos... e todo esse tempo faltou muita variedade. Era toda vez o básico papai e mamãe, e no máximo algumas vezes uma variada de um lado ou de outro, então, para se garantir, ele comprou alguns itens numa loja especializada.

No dia, parecia que nenhum dos convidados queria ir embora! Não paravam de beber à custa do casal, e eles não paravam de pensar no que viria depois, sem convidados, claro. Com a desculpa de não querer viajar muito cansado, partiram para “praia”. Qual o nome da praia que eles iam mesmo? Ah! Laguna Beach Motel... não estavam mentido completamente certo?

Chegaram lá e ele já não entendeu porque não tinha recepção, nem lobby, nem nada. Como assim me atender pela janela do carro? Ele leu algumas críticas tão boas sobre aquele lugar na internet e o atendimento já começava assim? Tudo bem. Pegaram a tal Suite Master Mega Power Plus + +. Pelo nome, parecia boa... e de fato era. Ela em toda sua sensibilidade percebeu o bom gosto da decoração, e apreciou a cor da parede. Ele achou que a cama era ótima, “poderia dormir um mês inteiro aqui”, pensou, e logo disse:

- Então meu amor... que tal uma bebidinha para relaxar? – segurando uma champagne encostado na parede fazendo pose de galã. Ela não era muito de beber, mas um momento especial não podia pedir por menos. E acho que foi aqui que a coisa começou a desandar... ele nunca tinha aberto uma garrafa de champagne, mas quão difícil poderia isso ser, certo? Quantas vezes ele viu abrirem nas novelas? Era só dar uma mexidinha, desatarraxar o arame que prendia a rolha e puxar. É... foi quase isso. Pena que a mexidinha foi um pouco demais e a pressão arrebatou a rolha na sobrancelha da mulher. Ainda bem que ela estava sentada na cama, senão o tombo iria machucar ainda mais... mas tudo certo, tinha gelo no quarto, e ele já colocou numa toalha e apoiou na rosto dela. Estava tudo sob controle. Passada a tontura, partiram para a execução do plano:

- E então meu amorzinho, quais as surpresas que você comprou pra essa noite? – toda sedutora ela perguntou deitada na cama, de vestido vermelho, passando a mao no lençol, e, tirando a protuberância roxa que tinha na testa, estava realmente atraente. Mulheres tem esse dom.

- Tenho aqui um óleo para massagem... – dizia ele enquanto tirava cada item na bolsa, como propaganda de TV, e esperava pela reação dela, que normalmente era:

- huuum...

- sais de banho para relaxar na banheira...

- huuuuum... que delícia...

- uma pomadinha chinesa para aquecer a ação...

- uuu, essa eu vou querer experimentar...

- e um livrinho pra gente seguir e tentar algo diferente. (entenda-se uma cópia do Kama-sutra que um colega do trabalho recomendou e disse que era uma loucura.

- aah, agora assim vamos comemorar.

Então, foram por tudo em prática. Ela foi tomar uma ducha rápida, habito tradicional da parte dela, e ele já ligou a água da hidromassagem. Uma aguinha quente é sempre reconfortante. Ele pensou em juntar-se ao banho, mas ela não achou uma idéia esperta porque na sua opinião só cabia um embaixo do chuveiro, e saiu esperar o banho dele na cama. Saindo do banheiro ele passa a mão no óleo:

- deite aqui querida, vou te tratar como rainha hoje.

Já no começo da massagem, enquanto ele subia ao ombro direito ele se assusta:

- AAAI! Amooor, ai não, aaai minha bursite... quer me matar?

- desculpa docinho, esqueci disso...

- Ai.. tudo bem.. mas sabe, vamos pular a massagem, está realmente doendo.. que tal uma banheira?

Meio desolado e sem jeito ele concordou. A massagem não surtiu efeito... passou a mão nos sais de banho, despejou um pouco na água e quando foram entrar:

- AAH! CARA*** ! essa água está fervendo!!! Me queimei! – urrou ele pulando numa perna só no meio do quarto.

- haha, coração, você abriu só a torneira quente! É por isso! Tenta misturar uma água fria. – mulheres, sempre geniais...

- mas a banheira está cheia, não cabe mais água.

- amor, por favor né! É só esvaziar um pouco, e colocar água fria – mais um lance de genialidade.

- tudo bem querida, tira a tampa ali então para escoar a água. – homens... sempre sádicos.

- AAAH! Ta quente pra cara*** essa água! – gritou ela tirando o braço vermeeelho de dentro da água.

- ah, você acha? – ironicamente, ele conseguiu irritá-la.

- tudo bem então... vamos esperar a água esfriar um pouco.

A tensão estava começando a aumentar. Até agora nem mesmo o champagne tinha sido como ele imaginou, muito menos ela... mas puxando o “livrinho”, em meio a carícias, foram folheando e escolhendo qual seria dessa vez.

- nossa, como tem gente criativa, não é mesmo, querido?

- sim, bom, mas eu acho que nem todas aqui são de verdade...

- como assim? – inocência de menina.

- querida... olha isso, como você acha q eu vou ficar nessa posição? Minha hérnia me mata se eu curvar assim. Que tal essa?

- o que? Sem chance, isso eu não faço... – valeu a tentativa por parte dele...

Sei que ao final do livro, nenhuma delas parecia que a coisa ia encaixar na coisa, se é que fui claro o suficiente... então, para quem nunca fez nada de diferente, qualquer mudança já era progresso:

- vamos fazer essa aqui então! – ela pediu.

- assim? De quatro? Tudo bem! – parecia que os dois concordaram em algo.

Ele lembrou da tal pomadinha chinesa, elogiou a sagacidade oriental, e delicadamente aplicou um tanto nela. Um tanto demais, sinto dizer... o calor foi tanto que ela começou a se abanar, e o único jeito foi correr para o chuveiro jogar uma água fria.

E ele, infeliz como um cão faminto, viu que a noite estava indo por água a baixo, junto com a grana que já tinha investido na empreitada. Tendo certeza disso quando ela volta puta da cara do banheiro:

- O é que isso Ricardo! Ta querendo me assar? Que idéia mais besta!

- querida, eu só achei que ia ser diferente!

- diferente? Quer algo diferente?

- ah não... não comece com essa conversa...

- quer algo tão diferente quando a Maria é?? – Maria... a vizinha turbinada do andar de baixo que sempre atraia olhares quando colocava a minissaia branca...

- toda vez com essa historia? Já falei que eu não estava olhando!

- não né? A bunda dela que estava olhando para seus olhos então?!

Aqui começou a briga... levou pelo menos meia hora até pararem com a discussão. Mas o clima já era, e eles nem mesmo pareciam lembrar porque estavam lá. Cada um do seu lado da cama, de boca fechada. Seguindo o costume, ele pegou o controle remoto da televisão e resolveu ver o que estava passando. Claro... isso mesmo. Num motel? Ligou direto num canal pornô.

- seu filho da mãe! Tem coragem ainda de ficar assistindo isso do meu lado!

Os tapas que ele levou arderam. Só não arderam tanto quando a conta do cartão de credito na manhã seguinte, quando cobraram, além do quarto, a champagne, a cerveja (dele), a coca diet (dela), e as 5 barras de chocolate (preciso dizer de quem?). E tudo sem nem mesmo terem feito algo que valesse a pena todo o dinheiro...

A parte mais incrível da história foi o dia seguinte, no café da manhã, ela passava manteiga no pão e disse:

- sabe amor... eu na verdade gostei de ontem a noite!

E ele sucumbindo ao sorriso radiante de sua esposa, apenas concordou:

- eu também gostei! Foi diferente...

- DIFERENTE!!!?!!???

Bom... no fim, tudo volta ao normal, e com certeza, eles tentaria novamente... talvez no próximo aniversario de casamento...

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Sem Pensar (2005)

Penso, penso
Ah! se penso
Penso verdadeiro
penso filosofia, é,
Penso em reaprender
Ah, penso ver o mundo
Penso, penso, penso.

Se com o pensar
Não penso num sentido
Vejo sem pensar,
Sim, vai ajudar.




(publicada em livro, edição escolar)

(você entendeu??)

Um sorvete


Só chuva e tempo ruim. Tempo gelado e nublado. Mas hoje o Sol surgiu ao meio dia, e veio quente. Não quente para esquentar seu escritório, mas ele está lá do outro lado da janela, refletindo nos pingos d’água que vertem do ar condicionado atravessado na parede. Saiba que ele está caloroso do outro lado do vidro, e quem fica sentado em frente aos diversos prazos inimigos do tempo não pode aproveitar disso. Não pode, por exemplo, tomar um sorvete e refrescar a cabeça. Um sorvete, ou dois... Todo sorvete é sorvete, mas sabores, esses são vários, e estão todos lá fora pela rua, cruzando de um lado para outro, derretendo pelo calor acima de suas bolas bem arredondadas pela concha do sorveteiro. Os de chocolate são aqueles que todos topam, são doces na medida certa, não tem exageros, básicos por natureza e, nem por isso, menos atrativos. Os de morango já são mais refinados, alguns são enfeitados com pequenos pedaços de fruta, como se isso os fizessem melhores do que os outros sabores. Mas não são. São só sorvetes, e derretem igual.  não interessa a quantia de enfeites, balas e canudinhos de wafer encontrados no sorvete, isso só pesa na balança, e não muda o gosto do sorvete. Pra fechar o pote napolitano, encontramos sorvetes de creme por ai, e esses são o oposto do morango, e acredita-se ser por isso que se encontram do outro lado do pote, dividido pelo chocolate. São também doces, mas sem muita graça, estão ali fazendo volume na sorveteria, mas tem gente que gosta, e isso eu acho lindo no sorvete: para todo sabor, tem um apreciador! 
Ouve-se dizer de gente que gosta de sorvete de milho-verde, pistache, “lua-nova” (não imagino o que seja isso), mas acontece que todo sorvete quer ter algo de diferente, algo a mais, algo pra chamar atenção e ser requisitado pelos fregueses sedentos, sem saber que acabem sendo apenas sorvetes, de um jeito ou de outro. Mas de todos os sorvetes, a admiração tem que se voltar ao sorvete de flocos. Isso sem dúvida. Sempre podemos encontrar sorvete de flocos, em todas as sorveterias. Esses estão na medida certa, pois são doces, tem pedaços de chocolate, que não chamam muita atenção, mas na verdade são o seu maior segredo. São os pedacinhos de chocolate maciço no sorvete de flocos que o fazem durar mais ao calor e manter-se intenso por mais tempo, são seus valores. São sorvetes que atraem a sua parcela de atenção sem esconder a dos outros, e são ótimos acompanhantes a outros sabores. E com todo esse calor derretendo os sorvetes, o melhor é sempre um sincero e equilibrado sorvete de flocos. Eu quero ser um sorvete de flocos, você não quer?

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Um Ano de Sol (abril 2010)

Quem diria? Um ano finda.
Desde sempre, e pra sempre ainda
Ela inteira, toda linda
Minha constante alacridade,
Meu dia de sol, minha querida.
Dentro de mim, uma cidade
Em torno de ti, uma vida

Adoro-te muito, e com vontade.
Não sabe o quanto!
Cada minuto só, mais saudade;
Cada minuto seu, mais encanto.
Minúcias, claro, à parte.
Picante inocência sadia
Todo seu corpo é arte
Vivo-te de todo jeito, dia após dia
Só me faz bem seu sorrir
Por si só basta, e agrada
Mas se mais ainda venho ouvir
Faço bem e sem rezinga, amada
Digo e repito, até que a voz fique rouca
Eu não quero coisa pouca!
Quero-te comigo agora, e não espero
E por mais tempo ainda, eu te quero.

Desacredito (abril de 2006)


Se em palavras eu pudesse traduzir
O tom de um sentimento,
Com certeza iria sucumbir ao apelo do momento,
E versos ocos logo do tema vão fugir,
Buscando, talvez, um alento.
E de paginas cheias iria rir,
E aos montes jogar ao vento.
Então, desgraçado, vejo surgir
Dentro de mim um arrependimento...

Uma forma branda e clara de redigir
Olhando para o céu, procuro, sedento,
Esperando uma ajuda que esteja por vir
Vou para um canto escuro, e sento.
Num instante silente espero ouvir,
E a todo sinal fico atento.
Triste sei, não posso discernir
Fico assim olhando, deitado, ao relento
Querendo um dia sentir
E vida dar a esse monumento

Tava tudo bem, mas ai... (agosto, 2009)


Era domingo, já de noite, cheguei cansado de um ótimo dia. Havia me movimentado como não fazia há tempos. Senti novamente o prazer que o movimento ágil e forte do meu corpo pode me proporcionar. Foi um domingo que me deu uma alegria e uma nova energia só por esse fato. Já me deu vontade de correr como aquela tarde de novo, de saltar e sentir um vento rápido passando pelo meu rosto. Mas como o tempo tudo seca, secou meus músculos... ai, como doíam, como pareciam que não mais agüentariam, mas fui além disso, sabendo que na manhã seguinte a fadiga me pegaria de jeito me dando aquele andar quadrado de quem passou o dia em cima de um cavalo sem ter o costume de galopar. Ah, como foi bom o dia. Tudo isso me deu fome, comi bem, comi de tudo. De café, uns petiscos, um pão de mel com suco. Na hora de comer mesmo, pão com lingüiça e maionese, uma picanha no shoyo, um refrigerante e aquela cerveja gelada, Eisenbahn, boa de tomar, encorpada. E pra fechar uma refeição doce – embora eu tenha preferência pelo gosto do sal -, um brigadeiro de colher e pudim de leite bem gelado. Tudo comum, coisa de churrasco, caseiro, mas a fome e o cansaço deixavam tudo melhor. Descansei sussegadamente numa rede, na sombra de um frondoso flamboyant, com uma brisa leve acariciando a pequena colina em que estava, indo de encontro ao lago que se estendia calmo à minha frente. Como trilha sonora para minha sesta coloquei um Jack Johnson, seleção minha mesmo. Quando percebi a maravilha do momento, espichei um sorriso de uma orelha à outra e uma risadinha contida que quem visse saberia que naquela hora, não me faltava mais nada. Fazia tempo também que não dava um sorriso desses. O último foi, também à sombra, deitado no colo de uma amiga, em frente ao colégio, conversando, enquanto a aula se estendia tediosamente porta à dentro, deixando todos sonolentos com a voz grave e contínua do professor de história geral. Voltei pra casa escutando Nat King Cole ao volante, com as janelas do carro bem abertas para o vento poder pentear meus cabelos da forma que melhor entendesse. O verde dos pastos e, mais tarde, o amarelo de muitos girassóis refletiram nas lentes dos meus óculos até chegar na periferia da cidade. Como disse, já era noite quando voltei pra casa. Não podia faltar um banho demorado numa água morna, quase fria, refrescando todo o corpo, relaxando os músculos. Fui pro sofá, passariam bons filmes na TV à cabo, juntei meu “Kit Filme”, e, munido de travesseiro, cobertor, um pote de Pringles e um copo de meio litro de Coca-cola gelada, me deitei passeando pelos 70 canais, parando apenas em uns 10 que exibiam alguma coisa decente e que não fossem em inglês ou japonês – para que alguém quer canal em japonês no Brasil? – esperando o início do filme. Passou um de ação, muito bom, estimulante. No intervalo sai dando socos no ar rumo ao banheiro. Quando escutei o título do próximo filme, não pensei duas vezes, me servi de mais refrigerante, dessa vez com limão e gelo, dei uma esticada nas canelas, um agrado nos cachorros e voltei ao sofá. Foi aí que aconteceu. Não entendi porque, mas o filme me passou uma angustia, me deixou nervoso, apreensivo. Fui até meu quarto atrás de casa sem nem perceber o boa noite dos familiares e os olhos alegres de meu labrador, incrustado em meus pensamentos, remoendo situações, semelhantes às do filme. Ai quem “ruim” que me deu. Talvez por ser característica de geminianos, mas meu humor foi lá pra baixo, me bateu uma depressão. Que horas longas e sofridas passei no final desse dia tão bom, e, se alguém souber, me diga porquê! Como pode um filme alterar tanto nosso interior? É por isso que amo cinema, ele tem uma influencia tão forte na psique... mas esse não foi bom, acabou comigo. 
Tudo ficou diferente, apaguei as luzes, foi quando percebi que chovia forte, a grama já estava quase alagada, chovia forte e pesado. Fui para a churrasqueira, puxei uma cadeira confortável e resolvi então que, se a tristeza não me deixava dormir, iria curti-la até se exaurir. Fiquei na beira da calçada, me servi de uma taça de vinho seco, Cabernet Sauvignon, deixei como fonte de luz apenas uma vela acesa, e dessa vez quem me acompanhou foi Chat Baker e seus vocais suaves nas suas faixas mais melódicas. Que horror foi ficar naquela depressão. Como podem existir picos tão extremos num só dia? Vieram-me pensamentos trágicos, saudades bobas e uma nostalgia maçante. Fiquei revivendo lembranças acabadas, casos sem fim, romances sem desfechos, mas ia sentir aquilo até o fim. Vejo agora que ao menos me valeu essa escrita. Mas isso é o que eu faço, não espanto nem alongo algo ruim, faço passar por mim e sigo para um próximo conto. Terminei a taça de vinho, esperei tocar a última música do álbum com a mão pousada sobre os pelos do meu amigo fiel que sentia minha dor, sentando ao meu lado, me despedi, deitei em minha cama e dormi. Afinal, era domingo, já de noite, estava cansado...