Hoje recebi uma notícia. Agora sei o que poucos sabem. E isso me faz mal. Eu só queria saber qual era o problema e ele me responde com uma dessa. Quem ele pensa que é? Como acha que pode chegar falando assim comigo? Com todo aquele ar superior. Aquela aura branca, numa sala branca, cheia de cheiro e cheia de luz. Não acredito no que ele diz. Não quero acreditar. E cada um acredita no que quer, quando quer, e como quiser. Deixem-me aqui na minha cama, sozinho. Afinal, isso não vai acontecer. Isso não pode acontecer! Óbvio que ele está errado, e tudo não passa de uma brincadeira de mau gosto. Meu aniversario está chegando, e eu já estou entendendo o que vai acontecer. Vou sair do meu quarto e todos os meus amigos e parentes estarão na sala com um bolo com 45 velas esperando para serem apagadas. Isso é muita palhaçada. Com certeza minha mulher está nessa trama, e minhas duas filhas também. As três compraram aquele cara para me fazer uma piada. Ninguém vai me tirar isso assim, e isso não vai acontecer! Quem ele pensa que é?
Um minuto simples, e a vida pode mudar. Um só minuto e agora eu sei a que valor ele pode chegar. Agora eu sei o valor de cada segundo, porque entendo que cada um que passa é um a menos no mundo. Há quem quer dinheiro e há quem quer amor. Mas nada mais me serve, pois nada pode me tirar essa dor. Agora só quero tempo. E vou procurar por ele, e buscar cada ponteiro em maior intensidade do que eles próprios giram à frente. Quando alguém está sem fazer nada, está matando tempo. Jogando tudo fora. Jogando vida fora. Eu quero fazer alguma coisa, qualquer coisa, agora! Vou preencher a minha agenda, e fazer dela um banco onde terei depositado meu tempo ganho. Vou fazer tudo valer. Quero quebrar a tradição, e amar sem perdão. Quero quebrar a boa moral, e ter duas mulheres de uma vez só. Ignorar a elegância, e andar de chinelo e gravata.
Quem ele pensa que é? Eu deveria era voltar lá e encher a cara dele de socos. Quando ele cair, tonto, no chão, vou chutar a cabeça dele como uma bola de futebol, até fazer um gol de gaveta. Na dúvida, vou quebrar toda aquela sala, rasgar os panfletos, queimar os formulários, dobrar as cadeiras no meio. Eu estou babando, espumando, e coitado de quem entrar no meu caminho. Já que é assim, não tenho nada mais a perder, ninguém pode me fazer mais mal do que eu mesmo me faço agora. Olhou torto para mim, e é um bofetão. Reclamou leva mais um. E se chorar?! Ah sim... vai engolir esse choro, ou vou dar motivo para chorar. Nunca fui feliz com meu carro. Vou botar fogo nele e jogar de uma ponte. Não preciso mais dele mesmo, e ele vai ver quem manda, vai ver quem precisa de quem. Afinal, se eu não coloco combustível, ele nem anda! Inútil! Quem ele pensa que é?
O trabalho eu continuo, pois me agrada. Mas aquele curso de treinamento, as aulas de ioga, as dietas diet, o horário eleitoral, nada disso quero mais na minha vida. Vou gritar de bungee jumping e voar de asa-delta. Vou deitar nú no gelo, e correr de casaco no deserto. Vou carregar apenas o que couber numa mochila, dar um beijo na atendente da padaria, dizer o quanto são lindos aqueles olhos verdes, e viajar para perto do mar. Eu nunca surfei, mas vou surfar. Nunca bebi, e vou mesmo é me drogar. Quero festa e quero missa, à hora que me aprouver. Dormir quando vier o sono, e comer quando der.
Quem ele pensa que é? Tentando me limitar assim? Será que não tem um jeitinho? Por aqui sempre tem. Posso trocar um favor por uma semana. Faço uma boa ação e ganho um dia. Deve existir um acordo com o cara lá de cima. Que tal uma doação? Entrego o que tenho à igreja, e fico por aqui por mais um mês. Afinal, pagando bem, problema não tem. Vou pedir a ele que mude o resultado. Que se faça me enganar. Se der pra ganhar um tempo, só para poder enrolar. Numa dessa ainda saio com um ano a mais. Se nada der certo, fecho o trato pelo tempo máximo. Se ainda não der certo, fico com uns dias a mais. Não tem nada que eu possa tomar, e fazer o tempo parar? Talvez não dormindo eu viva mais. Que tal umas horas de sono por um dia no parque? Quem ele pensa que é?
Vou sair correndo e pulando, vou fazer o que estiver afim. Vou arranjar briga em bar, e depois fazer pazes. Vou arranjar briga em cada esquina! E depois fazer as pazes. Vou aceitar as desculpas. Ignorar a ignorância. Abraçar o padre e o pastor. Vou pedir desculpas... mas se não as tiver, farei tudo de novo! Vou andar à cavalo até doer, e dormir na relva enquanto chove. Tomar café de pijama, e jogar o pijama fora. Vou amar meu próprio corpo, fazer dele algo público. Vou nadar à noite, e badalar no almoço. Quero queimar uma pilha de dinheiro. Cozinhar pra rua inteira uma refeição. Vou comprar comida no cartão de crédito até o fim do meu limite, e entregar à quem precisa. Vou passar um dia inteiro na rede. Um dia inteiro de pé. Vou viajar e ver o mundo. Fazer o mundo me ver. Vou aparecer na tela da sua casa. Mais um louco na TV.
Quem ele pensa que é? De me jogar uma verdade assim? Eu nunca pude fazer nada que desejei. E realmente não dá para ser feliz com essa ânsia. Com essa cara de maracujá. Olhe meus braços finos. As olheiras que arrasto. Perceba a falta de cor, e o sorriso que não vem. Por mais que eu queira, não posso concorrer. Tenham pena de mim! Se não posso ter mais nada, que tenham pena de mim. Tanto nessa vida eu já perdi, mas nunca algo assim. Se algum dia senti um vazio, nada pode ser mais vazio que isto aqui. Não tenho mais nada, e não tenho nem o direito de angariar. A verdade é que chegou o fim, e nada vai me ajudar. Se vim a esse mundo sozinho, não sei como tive coragem de achar que o deixaria de outra maneira. Esqueça o que eu falei. Não quero fazer mais nada. Não vale a pena ganhar pontos depois que o jogo terminou. Vou só deitar na minha cama. Secar cada lágrima que dos meus olhos brotar. Curtir a apatia. Curtir a solidão. Não adianta. Simplesmente, não. Quem ele pensa que é?
Queria correr até cansar, e voltar de carona com alguém. Eu queria alguém! Queria alguém pra jogar fora. Mais então ele vem e acha que pode ME jogar fora? Não importa o que farei. Eu sei que não vou esquecer. Não vou esquecer a notícia. Nem da mancha na barra daquele jaleco. Do reflexo nos óculos. A falta de expressão. O diploma na parede. A caneta aberta na mão. Para ele mais uma notícia, e pra mim o meu final. O final do que conheço, como conheço. Senti-me um animal. E sei que não tem preço. Mas pagaria tudo, daria tudo, para ter o que mereço. Eu não merecia saber. Quem ele pensa que é? E me diz que é seu trabalho? Seu trabalho é me curar! E não me dar mais prazo! Um mês! Um mês de vida! Foi só isso que ele pode me dizer. Se é assim, então aceito. Vou apenas viver, despejar mais um amor, esquecer todo rancor, lembrar de minha família e de todo aquele amor. Quando a hora chegar, estarei aqui, sem sair do lugar.