quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Personagens num bar

São vários, os boêmios. Cada um tem seu tipo, mas são todos iguais. Iguais pelo menos no amor pela noite, na companhia da cachaça, nos jogos de azar e na divisão da fumaça. Todo boteco tem um dono, também quase sempre um patuscão, que conhece bem a freguesia e lida à força, e não com educação. Sempre tem um dormindo na mesa de canto, enquanto outro lhe tira a carteira, com a maior cara de santo. Ele dorme pois não agüenta mais o gole, não tem mais dinheiro, nem mais jeito de alimentar sua prole. Enquanto um galã xaveca uma mulher honesta, outro, cambaleando, é tirado pela porta. Para ele acabou a festa. Quem sabe beber, sabe, quem não sabe, não se comporta. E é por isso que aquele dorme. É por isso que quem der bobeira some. Metade não paga a conta, outra metade faz o que pode, e é só a terceira metade que realmente consegue patrocinar o pagode. Mulheres vão à caça vestidas de carneiro, e o lobo sai pagando por tudo, todo faceiro. O artista do submundo se expressa, mas sem aplausos, só é musica de fundo. A cada nota torta do violão uma palavra grossa de mais alguém que foi ao chão. Um sobe sobre a mesa e leva um tapa. Já é de manhã e alguém sai à comprar pão, outro acaba cerveja, mas é cedo, e pede outra lata. Três amigos conversam, dois amigos apostam, um sozinho fica de olho, e dois inimigos se arriscam. Garrafada pra todo lado. Fim da noite com briga. Fim da noite, nossa amiga. Quebram uma mesa, e os copos são vários. Um puxa o gatilho, e corpos, esses também são vários...

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

E assim, Tadeu...

Ele:

- Vai querida, respira, comigo, vamos!

Ela:

- AHHHH, que doooor, assim eu não agüento, não quero mais, eu não consigo!

- Não pode ser assim, “agora não brinco mais”, agora não tem jeito.

- Dói muito! Não dá! Não vai passar!

- Meu amor, você consegue sim, empurra, comigo, no três; Um.

- Fácil falar né seu inútil, ta aí só olhando.

- Dois...

- Pare de contar seu bosta, não está ajudando!

- Três! Empurra!

- Vou te empurrar pra fora dessa sala! O obstetra nem chegou ainda!

- Amor, eu to nervoso, ok?

- Eu estou com um ser vindo de dentro de mim me rasgando de baixo pra cima, e o senhor está nevosinho? Aff, por favor... AAAAAHHH!

- O que? O que foi?

- Essas contrações são de matar – ela ofegando fortemente.

- Tem algo que eu possa fazer para ajudar?

- CALA A BOCA E CHAMA A ENFERMEIRA!

- Nossa... então é assim... depois reclama que eu não colaboro...

- Aaaaaaaaaaaiiiiii!!! Meu Deus, o que é isso?! ai ai ai ai... ta vindo, chama lá, CHAMA LÁ PORRA!!!!

- Uau, nunca vi você falando assim enh... o que uma barriguinha não faz...

- AAAAAAAAAAAHHHH!!

- Ta bom, ta bom, pelo jeito está doendo, já entendi, saquei, não sou tão tapado assim só porque sou homem, tá? Vou lá chamar...

Um Doutor correndo no corredor com cheiro de malte e olhos baixos:

- Sim, o que foi? Hic (soluço).

Ele:

- Doutor, minha mulher está tendo um bebê, acho que está vindo, precisamos do senhor.

- Senhor está no céu meu filho, hic, eu to aqui no chão mesmo e meu horário já terminou, hic, até mais...

- Mas eu não sei o que fazer! Ela está lá gritando de dor.

- Hic, todas gritam... hic... é só o que sabem fazer. A minha mulher estava gritando comigo agora mesmo no telefone.

- DOUTOR! Estou falando sério, ela está em trabalho de parto!

- Hic, sim, sim, elas são um parto... quer um trago? Hic – virando mais um gole.

- Não, obrigado.

- É 12 anos... vai te relaxar... hic....

- Sério? Aceito então! – ele toma um trago.

15 minutos e várias doses depois... ele, entrando na sala:

- Amoooor, hic, olha quem eu achei no corredooooor! Dr. Roberto! O cara é muuuito gente fina.

- Ricardo, você está BÊBADO, seu desgraçado?!

- Nããão, claro que não, amor... hic... – ele virá para o médico e diz sussurrando, porém em voz alta:

- Ixi doutor, acho que ela sacou... hic...

- É filho, essa sua aí é esperta... mas sabe, você é um cara da paz, te considero muito!

- Ôô doutor, eu também! Temos que marcar um bar aí um dia, de repente jogar um futebolzinho...

Ela interrompe:

- ALOOOOU! Eu to tendo um filho aqui!!! Dá licença?? AAAAH!

- Ah, sim, claro, filho, chame a enfermeira ruiva ali para mim, sim?

- Hic, ruiva?

- Sim, a loira é cheia de não me toque, hic. – o médico vira para a mamãe - Então Sra., parece que vamos ter uma criança aqui! Hic...

Entre contratempos e soluços, a criança vem à luz, e a mãe suada e exaurida a recebe no colo:

- Ai meu Deus, obrigado, ele é tão lindo! Ainda bem que não parece com o pai!

- Como assim querida? Deixe-me ver, hic. Ah, mas é bonitinho mesmo, não é?

- BONITINHO???

- Quero dizer, é a coisa mais linda que, hic, eu já vi! Viu aqui doutor? Meu piazão? Esse aqui vai ser pegador! Ó o tamanho da ferramenta aqui! Puxou o pai!

- Ricardo, cala a boca... como assim “coisa” mais linda? Seu inútil. E se puxar essa merreca aí, é melhor ser rico, senão aí sim vai acabar que nem o pai...

- Ei, não precisa, hic, ofender não...

Indignada com a situação e espumando de raiva ela decide:

- Eu vou escolher o nome!

- Ei, mas a gente já não tinha escolhido Carlos? Carlos é uma boa, hic, não é “dóc”?

Doutor:

- Sim, eu gosto...

Ela:

- Não, você escolheu Carlos, eu quero Lucas.

- Aaah não, querida, nome bíblico não...

- Por que, qual o problema?

- Não quero, não gosto, não vou chamar, você vai chamar, hic, sozinha. Só você...

- Então será Rafael!

- Ah amor, mas aí quando ele for pequenininho vão ficar falando, hic, Rafael cara de pastel, crianças odeiam isso, você sabe.

- Ah, mas que coisa mais besta, Ricardo!

- Não querida, eu não vou chamar de Rafael. Hic...

13 nomes depois, discussão e mais uns soluços ébrios. Ela se cansa:

- Tá, deu então! Pra mim chega. Depois a gente vê isso, quando você estiver sóbrio.

- Tá, deu?

- Isso, chega!

- Tadeu é bom.

- Chega Ricardo, quero acabar a discussão.

- Não, não, querida, Tadeu é um bom nome, meu tio avô era Tadeu, eu gostava muito dele, ele me dava uns biscoitos que...

- O quê? Do que você está falando?

- Ueh, você não sugeriu Tadeu? Eu gostei, fica esse.

- Hã?

- Você acabou de falar, mulher! “Tadeu e chega”.

- Meu Senhor, Ricardo, como você é IMBECIL! Mas... sabe... gostei de Tadeu! =D


E assim, Tadeu...

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Esqueça

Como se cada palavra dita pudesse ser retirada ou trocada. Como se cada insulto pudesse se tornar um elogio. Cada gesto duro um afago. Mas que também cada fraqueza se tornasse virtude e cada falha um ponto forte. Se naquele dia você pudesse ter dito a coisa certa, e não virado as costas. Não ter ficado parado quando queria ter se movido e seu corpo lhe negava a ênfase. Mas ter segurado o pulso quando ele deferia mais um golpe. Aproveitado a batida forte do seu coração quando o mundo parou de girar naquele primeiro momento. Assim você poderia ter degustado o olhar. Apreciado o perfume e vivido um pouco mais. Se a gente pudesse simplesmente voltar e ver novamente aquele luar refletindo no mar formando o caminho que a gente não seguiu. Daria você passos firmes pela água? Se a decisão de separar ou juntar o que parecia encaixar pudesse ser retomada. Completaria você o quebra-cabeça ou deixaria que só as bordas preenchessem a mesa? Se aquele bilhete da loteria pudesse ter os números certos em troca daquela noite na varanda. Seria você rico e feliz sem aquela lembrança? Cada fotografia retratando um momento que passou, congelando no tempo menos que um segundo. Segundos que contam histórias que nunca mais serão tão verdade quanto eram à época. Se naquele retrato você pudesse estar ao meu lado em vez de estar à frente perdendo a chance de encontrar a minha mão. Continuaria você do outro lado dessa sala? Se antes de embarcar naquele avião eu não tivesse na boca o gosto de café, mas de um beijo seu. Teria eu ficado tão ausente? Fato é que cada chama ainda vive pelo que queimou um dia. Que cada gota de um riacho passa só uma vez pela mesma pedra e só pode escolher uma vez para que lado desviar. Você nunca mudará o que aconteceu e passou, mas ainda pode sorrir. E esse sorriso pode fazer seu destino te manter aquecido. Fique alerta como cada gesto ecoa pela eternidade, e como consolo saiba que ninguém mais podia ter feito diferente, ou não teria sido você. Assim como tem hoje tudo que pegou pelo caminho, pegue agora o que você precisa, e doe o que lhe sobra. Doe seu amor, e ele sempre voltará. Você não pode mudar. Você só pode fazer diferente daqui pra frente. Faça valer cada chama, e não fique muito triste quando uma ou outra se apagar, pois isto faz parte da vida, e uma hora ou outra, você vai as ver de volta. Então esteja pronto para surpreender. E esqueça...

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Sobre um Sonho

Eu tive um sonho, e dele não quis acordar. Mas acordei. E é aí que reside toda minha frustração. Não no sonhar, mas no despertar. Assim como não lhe faz mal a vivência, mas a impotência que nos recolhe ver ela passar. Aquele tempo todo e aquela vida que construí, todo aquele futuro sobre meu passado, eu vi. Ela sorria, e o meu tempo não passava. Ela acordava e ao vê-la, encontrava tudo que esperava. Anos foram na terra de Morfeu, enquanto só uma noite se esticava pelo meu relógio. Lembro como um sonho bom. E como todo bom sonho, a cada segundo desse alvorecer, menos lembro, e mais espaços brancos se somam à essa imagem dessa vida que tive. Ou que não tive. Sem abrir os olhos, busco remontar a foto, tento emoldurá-la na memória. Mas cada esforço se mostra em vão, enquanto cada olhar se desfaz, e cada beijo seca. Vejo-me dentro daquele retrato que derrete, e busco por ela. Aquela que deu a tudo o sentido que nunca encontrei. Como num corredor que nunca acaba, quanto mais eu corro, mais longe ela fica. O chão se abre e pareço cair dentro do nada. Não muito diferente do que foi realmente. Não muito diferente do que vi em minha mente. Mas assim “os sonhos cedem ante a impressão de um novo dia, da mesma forma que o brilho das estrelas cede à luz do sol.” E nessa manhã a luz me ofusca e apaga cada fragmento onírico que possa remanescer dentro de mim. De tudo que sei que sonhei. Lembro apenas de um momento. Lembro dos cabelos loiros refletindo a luz das chamas. Espalhados sobre meu peito. Sinto ainda o cheiro de jasmim e da vontade mútua do encontro. Os dedos entrelaçados e os olhos fechados. As velas iluminavam o quarto, e as pétalas brancas cobriam cada espaço. O resto todo não vejo. E o melhor é saber que lá o impossível aconteceu. Por isso quero voltar a dormir. Pois nada se pode cogitar de tão despropositado, de tão confuso ou surreal que não possamos sonhar. Sei que não é impossível, porque aconteceu uma vez. Mas o sonho bom acabou, e eu quero voltar a dormir. Só dormir... por mais cinco minutinhos...