E lá estava eu. Vim careca e banguela, e não pedia por nada mais do que um pouco de leite. E esse leite custou caro. É a primeira coisa que você pede, depois de ar, e é só a primeira das muitas que vão te dar. Normalmente sem você pedir. Eu sei que soa maldoso e ingrato, mas eu nunca pedi que me dissessem as coisas. Mas, “once you know, you never know”... (uma vez que você sabe, nunca se sabe...). Aos meus olhos, maldoso mesmo é colocar algo na cabeça de uma pessoa. Sabe por quê? Porque depois de colocado, é muito difícil de tirar, impossível de esquecer, e sempre vai estar lá, num lugar onde só ela pode saber, e com aquilo tem que conviver. Não lembro bem, mas depois do leite, dei uma de bobo e tentei copiar os outros. Tentei levantar. Segundo maior erro, perdendo apenas para o leite, mas me ensinaram a andar. Triste dizer, mas depois daí, isso não parou mais. Você anda, e tem que saber trotar, você trota, e tem que saber correr, você corre, e vão querer te ver voar. Tudo para que? Para bater em maior ou menor velocidade contra o chão quando tiver que parar? Não se engane. A vida para! Passaram-me algumas palavras, e de “gugu” “dádá” queriam as tais sílabas, que se juntavam em palavras, montadas com verbos e sujeitos, - esses nem sei quem são, - tudo só para uma oração. Mas eu nem sabia o que pedir à Deus. Devia ter pedido pra tudo parar, e as pessoas poderem escolher. Sabe, ninguém nunca sentou na minha frente e perguntou se eu queria a pílula azul.
Foi mais como se me dessem ela esmigalhada dentre o miolão do pão de cada dia, como se a cada manhã eu tivesse algo mais a aprender. E aqui essa analogia pode parecer muito mais completa do que parece. Pense em quem não teve o pão. Mas essa não é a questão agora. Eu quero articular mais a benção como uma maldição. Quem sabe não é por isso que dizem tanto do diabo, e do tal pão que ele anda amassando. Não vejo muito essa falsa ideia de livre arbítrio ou opção. De sermos todos livres para escolher. Veja bem: você não escolhe nascer, e certamente não escolhe quando morrer. Ou seja, você vem e vai, te colocam e tiram dessa terra cheia de gente, iniciam e finalizam sua vida, e nem mesmo sobre isso você tem um palpite. Nem mesmo quanto ao mês que gostaria de nascer, se é mais chegado ao frio ou no calor. E depois disso, é consenso geral que você não sabe o que é melhor para você. Mas aí está o grande erro. Todo mundo sabe quando é pequeno! Todo mundo grita e chora quando está com fome, e depois de comer, dorme! Mas depois de ser bombardeado por tantas decisões tomadas por outros, apenas esquecemos que a resposta está dentro da gente. A gente esquece o instinto do choro. Ficamos apenas mal acostumados a não escolher. Por um bom tempo você não escolheu o que comer, nem o que vestir. Opinião sobre o que vai fazer do seu dia, também não teve muita. E, quando por um breve momento da sua vida, você achar que está com poder sobre ela, ledo engano. Você não escolhe tanto assim o seu patrão, ou a decisão do indivíduo com uma faca na mão na próxima esquina. Você não escolhe o que os outros vão fazer. E aqui reside a parte mais capciosa de todo o esquema: você não decide por você, outros o fazem, mas você também não decide pelo outros. . Você não vai conseguir escolher a fortuna de outrem. Afinal, se nem mesmo por você é possível escolher. Porque escolheria pelos outros? Então me digam agora: quem escolhe? Escolha existe? Desde pequeno te colocam numa ilusão onde você tem que saber coisas para sobreviver. Ensinam coisas erradas e certas, depois te dizem que o senso comum mudou, e o certo é um pouco errado, e o errado já parece mais aceitável. Mas te fazem saber coisas. E isso tira a sua paz. A paz predomina apenas no coração daqueles que nada sabem, e gozam da liberdade da ignorância. Enquanto você não sabe o mal que te fazem, ele quase nem dói. O momento em que te ensinam sobre o significado de paz ou felicidade é quando você perde a chance de tê-las de novo. Desculpe amigo, mas você estava nelas até chegar a essas linhas. Depois disso, a paz e a felicidade se tornam só miragens atrás das quais todos teremos que correr e ir atrás, sem saber que a paz está na ausência de movimento frenético. A paz se torna apenas uma utopia a ser perseguida, mas só perseguida, nunca achada. Quando se corre, não se está parado. Não se está em paz. Mas mais uma vez, isso também não é questão de escolha... e não importa sua opinião. Quanto mais se tem, mais exigem de você. Quanto mais se sabe, mais você deveria saber, e vão te cobrar isso. E depois de ver a luz, fica impossível viver na escuridão. Você tira dos pulsos o peso das algemas, mas põe nos ombros, o peso do mundo. Ou melhor, fazem isso por você...
