terça-feira, 29 de março de 2011

A longa espera

Ela estava lá sentada, com as pernas cruzadas, costas retas, queixo num perfeito ângulo reto e as mãos sobrepostas uma na outra no meio da coxa. Uma pose digna de foto e de fictícia nobreza. Entre os dedos duas guias laçadas atavam em suas pontas em cada uma um Schnauzer. Brincos pesados e colar de pérolas escurecidas adornavam a foto e combinavam bem com o casaquinho surrado de camurça, retratando alguma moda passada. Afora os cãezinhos pulantes à sua volta, ninguém mais ocupava o banco na praça. E ela parecia a espera de algo. Como se a certeza de um encontro furtivo a mantivesse ali, com firmeza. Muito era visível naquela cena, e nada fazia feliz. O tratar de seus animais de estimação como filhos, à chamados de “bebês” revelavam a falta de uma cabeça em seu leito pedindo cafuné. Seus filhos, se teve, já eram crescidos, e não davam mais bola pra ela. A companhia animal também fazia parecer não ter mais muitas amigas, e a pele envelhecida, cabelos afinados e grisalhos repintados, as rugas... isso só mostrava o quanto ela tinha passado daquele tempo. A marca forte em seu anelar esquerdo expunha a ausência de uma jóia de compromisso, e o traço triste sob as olheiras carregavam a viuvez. Mas ela continuava altiva. Ela continuava inchada. Via-se que a beleza uma vez esteve presente em sua face, mas não mais agora... não criava mais a mesma atração. Não duvido que ela sabia disso. E como sempre, as mãos revelam. Nós calejados e dobras malhadas contavam a história de um trabalho manual, e as marcas no dedão me faziam acreditar na agulha e na costura. Hoje ninguém mais precisa de alfaiate e costureira particular. Ali sobrava amor de mãe. Sobrava amor de amante. Sobrava conversa e trabalho. Só sobrava. Um olhar me Maria das Dores carregava a longa espera, e as longas mínguas. E tive dó. Senti a pena. Senti a lacuna criada pelo falecimento da juventude. Então não joguem fora as suas. Mesmo assim, talvez não seja possível entender o valor da juventude, pelo menos não até que ela se desfaça. Pelo menos não até que ela faleça. E eu já sei. Sei bem o que ela esperava encontrar. Ela estava ali sentada, com o espírito de uma criança, esperando pelo príncipe encantado montado no cavalo branco, trazendo o robe que lhe daria de novo a elasticidade. Ela estava à espera do amor que perdeu. Do filho que cresceu. Do valor que abafou. Do carinho que passou. Da amizade que se desfez. E de tudo aquilo que aquelas pérolas me contam que um dia viram. Ela foi feliz! Cada brilho do anel grita, “eu fui feliz e vi o mar”! E mesmo que tenha agora que aguardar pela próxima vida, e uma nova chance de ser completa novamente, ela vai esperar. Vai sim. Porque aquela alma sabe o quanto vale ser feliz.